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domingo, outubro 31, 2004

A VOZ DO CORAÇÃO (LES CHORISTES)




Reunir crianças, ensino de música e um professor inspirado, com injustiças ao fundo, é fórmula consagrada para dramas sentimentais e engrandecedores, em que haverá sempre alguém disposto a tornar o mundo um pouco melhor, apesar das adversidades. "Mr. Holland - Adorável Professor" (95) e "Música do Coração" (99) exploram o formato, mas ambientam a ação nos EUA atuais, o que lhes dá um caráter levemente anacrônico: hoje, não parece mais haver espaço para gente assim no sistema educacional.”

Alguém que escreve isso (o trecho foi retirado de um artigo da Folha Online) quer, no mínimo, rebaixar um filme de alta qualidade como é o A VOZ DO CORAÇÃO. Esse filme francês tem, sim, elementos daqueles filmes americanos batidos, em que alguém chega a um colégio cheio de estudantes marginais e/ou reprimidos e muda o ambiente. Mas a forma como esses elementos foram misturados é diferente e, por essa razão, A VOZ DO CORAÇÃO não é mais um filme de “fórmula consagrada”, mas, sim, um filme único no estilo, o melhor deles. Diria até que não há filme igual e, por isso, não deveria entrar na categoria dos outros. A VOZ DO CORAÇÃO é autêntico e muito mais inteligente, mais sensível, mais elevado... em resumo: LINDO, LINDO.

Justifico mais: A VOZ DO CORAÇÃO é realista, sem otimismos baratos, mas com ESPERANÇA. Há alguém que vai para um colégio interno, um inspetor, que não é idealista, que não quer mudar o mundo, mas que tem SENSIBILIDADE. Ele não tem a intenção de tornar os alunos subversivos, mas vai discipliná-los com a música (e aí ele mostra que a disciplina não é submissão...). Ele não vai mudar a vida de todos, ou seja, nem todos vão ficar bonzinhos por causa dele, pois há os que não mudam. Não é só uma sociedade que torna os alunos vítimas, mas um diretor recalcado, cego em sua noção de autoridade, que em certa parte do filme demonstra ter uma alegria escondida - mas é só por um instante. Há um aluno que “se deu bem na vida”, mas não é isso o que está em jogo na trama; é o carinho por um homem que os ensinou música (e que músicas lindas foram compostas para esse filme!) e se música (boa) é nobre em si, ela enobrece a vida dos que a cantam, a compõem, ouvem. Além disso, o inspetor responsável por esse enobrecimento não recebeu o prêmio de professor do ano, não foi um “vencedor”, não foi reconhecido e, no entanto...

Não, A VOZ DO CORAÇÃO não tem fórmula consagrada. Ele tem uma fórmula nova na história e rara na mensagem. Os próximos filmes é que vão se inspirar nele.

sábado, outubro 30, 2004

- Além de carrossel, também balão, submarino...

- Mas você já tinha carteira de motorista?

- Não, eu lia Júlio Verne. E era criança...






sexta-feira, outubro 29, 2004

Excelência,

Ontem à noite, no boteco, vosso galo ofendeu o meu galo sem motivo e sem direito algum de proceder em direção a ele daquela maneira. Assim sendo, julgo que vosso galo odeia o meu e que, por conseguinte, anseia eliminar-lhe de entre os vivos. Posso e desejo contentar-vos.

Vosso galo tenha a complacência de pegar o meu só em vosso sítio e conduzir-lhe para um lugar em que, lhe matando, vosso galo não se tornará réu por violar as leis do Brasil e no qual meu galo possa gozar da mesma vantagem, se com a ajuda de Deus o meu galo vier a matar o seu.

Se não soubesse quão grande é vossa generosidade, não vos faria esta proposta. Tenho a honra de ser, hoje, 17 de outubro, ao despontar do dia,

De V.E.
O educado, humilde e refinado D.M.



(Retirado de O DUELO, de Giacomo Casanova, com algumas alterações...)

quarta-feira, outubro 27, 2004

REFLEXÕEZINHAS:

- Milagres acontecem.

- O que você quer muito pode acontecer. Com algumas variações...de cor, sabor, cheiro.

- Ouvir Man! I feel like a woman, da Shania Twain, levanta o astral. (Essa é para as mulheres, please!)

- Você pode bater várias vezes numa mesma porta que nunca se abre. No dia em que ela abrir, você hesitará antes de entrar. (Talvez até dê meia volta e tente outra porta fechada...).

- Você pode saber o que não quer, mas não saber o que quer.

- Cãimbra dentro da piscina...ai!

- Os (muitos) cachorros da rua começaram a latir...começou o eclipse!

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Falando em eclipse...
Os jornais anunciaram o eclipse, alguns parentes e amigos me avisaram sobre o eclipse, há pessoas na rua querendo ver o eclipse e moradores de vários prédios se reuniram para ver o eclipse. Eclipse, eclipse, eclipse. E não é o de sol.
Então, por que essa onda toda? (pergunta o meu lado mais sem-graça).
Antes de responder, me lembro de um outro episódio.
No Rio de Janeiro, em Ipanema, pessoas aplaudem o pôr do sol (e aqui me refiro às pessoas normais, não movidas por nenhum alucinógeno. Estas também aplaudem, mas elas aplaudem até dragões voadores...).
Cenas como essas (eclipses, pôr do sol) são como flor no asfalto, dessas que fazem os carros velozes diminuiream a velocidade e desviarem só para não a estragar. Flor que cresce, apesar da poluição e da falta de adubo. Flor que de tão inesperada e tão teimosa merece uma salva de palmas (Ainda que uma salva de palmas discreta, pois você não quer parecer um maluco, que pára na rua, olha para a flor e começa a aplaudir. Você aplaude em pensamento e em pensamento vê a flor agradecer toda faceira).

(...)
Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.
(C.D.A.)





sábado, outubro 23, 2004

SUAVE....


sexta-feira, outubro 22, 2004

RESOLUÇÃO DE HOJE

Ontem me angustiei por problemas grandes, mas que fora do meu alcance (ou seja, problemas distantes, que talvez nem venham se concretizar). Isso não é bom...
Então, hoje quero dar o máximo de mim para esses probleminhas "sem status". Quero dar mais valor a eles. Não os supervalorizar, mas os promover ao posto de "dignos-de-serem-resolvidos". Não mais os esconderei de mim, nem eu me esconderei deles.
(Levanto o tapete e os tiro de debaixo, um por um): Podem vir, que eu darei um jeito em vocês. Assim, me ocupo do que realmente devo cuidar neste momento. O que for para depois, que venha depois.

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RESOLUÇÃO PARA HOJE À NOITE

Me inspirar no exemplo do "cavalo-do-7-de-setembro".


domingo, outubro 17, 2004

MAS É QUE O ERRO...

"Mas é que o erro das pessoas inteligentes é tão mais grave: elas têm os argumentos que provam."
(Clarice Lispector)

sexta-feira, outubro 15, 2004

É lógico que a polícia norueguesa encontrará o quadro de Munch. Os ladrões podem até estar na surdina, mas O GRITO sempre chamou a atenção.

- EI, ESTOU AQUI !!!

quinta-feira, outubro 14, 2004

EIS QUE...

Eis que hoje, ao entrar no meu correio eletrônico, encontro um email de um matemático enfurecido porque, em junho de 2003 - minha nossa, como o tempo passa...-, eu disse que o Viramundinho (aquele vira-lata) e a cadela de raça jamais se encontrariam, pois moravam em ruas paraleas, e, segundo ele, quem sabe de matemática sabe que as retas paralelas se encontrarão no infinito.
(Respiro fundo antes de prosseguir, mantendo a fleuma).
O que fazer com um email desses? O que responder a uma pessoa dessas?
Caro, antes de mais nada, obrigada por ter lido o meu blog. Aliás, obrigada por ter lido todo o blog, desde o começo, e ter feito comentários, e ter reparado que os textos mudam a medida que nós crescemos e vamos mudando também, e obrigada por prometer que vai sempre comentar o que eu escrevo. Você bem observou que os posts refletem um pouco da gente. Mas lembre-se: um pouco, pois com o tempo a gente vê que qualquer análise que se faça de uma pessoa, é apenas a análise de uma "faceta" (se é que posso usar essa palavra) e não a sua total complexidade. Mas o fato de eu ter escrito que o Viramundinho e a cadela jamais se encontrariam, bem mostra que eu não dei a mínima para a questão da matemática. Não digo isso com rancor; me desculpe se o não dei a mínima transmite essa impressão. Mas deixe essa regra teórica um pouco de lado e pense comigo... se o Vira passasse todo o tempo de sua vida naquela rua e a cadela, todo o tempo de sua vida naquela outra rua, você acha que eles se encontrariam? O Vira até poderia ouvir o latido da cadela, mas se ele não fosse lá, não a veria e, portanto, não a conheceria. E repare bem no que escrevi: "o tempo de sua vida". Por acaso o tempo de vida deles alcança o ponto no infinito? O tempo de vida deles é curto e termina bem antes, enquanto a estrada até o infinito é longa e continua, mesmo depois da morte dos dois (tendo o "ponto" infinito seu lugar láaaa longe, tão longe que se você olhar pela janela e olhar para o mais longe que puder, é possível que ainda não enxergue o infinito - que coisa, não?). Bom, mas agora, se me permite a divagação - ou prosseguir com a que já iniciei -, acabo de me lembrar de um livro da Marina Colassanti, chamado LONGE COMO O MEU QUERER. Falando bem subjetivamente e usando um termo igualmente subjetivo - querer -, talvez o "querer" consiga alcançar o infinito e, então, retiraria tudo o que escrevi até aqui. Mas me diz uma coisa: você quereria ir até o infinito? E responde com toda a sinceridade: você acha que os cachorros teriam o seu querer tão longe? Porque o Viramundinho foi até a outra rua? Porque, isso eu te respondo: ele jamais pensou em enviar o seu querer para tão longe. Ele pensou que o seu querer estaria mais próximo e para mais próximo - para a rua paralela - ele foi. Ali ele encontrou o seu querer e ali ele ficou.
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(Até que o seu querer foi embora e ele ficou triste, mas isso já é uma outra história...)

quarta-feira, outubro 13, 2004

GAROTO IXPERTO

Aquele mesmo garoto que me perguntou o que era "agoniado" disse, ontem (Dia das Crianças), para o pai:

- Pai, eu não sou criança. Sou um leigo da vida.

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GRAÇA

Qual a graça em contar que o céu que vi quando voltava para casa estava lindo? Que as nuvens, próximas do oeste, estavam em fogo. Que as nuvens, mais para o leste, brilhavam ouro. E que o céu, entre o fogo e o ouro, serenava lilás. E que vi tudo isso quando atravessava a ponte. De dentro de um ônibus. Num engarrafamento. Qual a graça, me diz?

terça-feira, outubro 12, 2004

"Nunca perca o seu entusiasmo infantil e coisas boas lhe acontecerão"
(Conselho atribuido a Fellini, no filme SOB O SOL DA TOSCANA)

domingo, outubro 10, 2004

É PRA RIR OU PRA CHORAR?

Ontem, no canal espanhol (TVE), houve um show-tipo-campanha (ou campanha-show, sei lá), daqueles em que vários artistas cantam e defendem uma causa, contra o mal de Alzheimer. Até aí, tolerável. Mas ao final, todos os apresentadores e cantores, dentre eles, Julio Iglesias, cantaram uma música, cujo refrão era: "Me olvidé de vivir".

sábado, outubro 09, 2004

DIVAGAÇÃO DE SÁBADO

Por um instante você pensa que o dinheiro trará juros em felicidade. Mas daí você vê pessoas ricas que contrariam essa perspectiva. A reação é transferir essa reflexão para outros bens matérias e para pessoas não tão endinheiradas. Conclusão: não, ainda não é o material que acabará com as aflições.
Então você pensa em algo mais abstrato, como, por exemplo, o conhecimento. Ele te tira da mediocridade, você já não será mais engabelado por certas mentiras que contam por aí, mas...mas daí você encontra pessoas que façam pensar que o conhecimento não valeu tanto a pena assim. (E isso pode até confundir, fazendo os despreparados pensarem que o conhecimento é inútil, afinal, trouxe alguma felicidade?). Não, não...cuidado. Se não é a riqueza que trará a felicidade, se não é somente o conhecimento que trará a felicidade, então há de haver algo... Sim, há. É preciso lembrar disso. E para descobrir esse algo, deve-se andar com cuidado, com os olhos bem abertos. E afastando as nuvens que porventura venham ofuscar a visão.

quarta-feira, outubro 06, 2004

- Glub, glub, glub, glub...

terça-feira, outubro 05, 2004

TOC, TOC, TOC

- Tem alguém aí?, perguntou a menina.
E o peixe, de dentro do aquário, respondeu:
- Glub, glub...
Mas ela não ouviu e, achando que não tinha ninguém, foi embora.


domingo, outubro 03, 2004

CONFIANÇA

- Ready to face the enemy?
- Are we?...Yes...Excellent!

(do filme Quatro Casamentos & Um Funeral)

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Falando em filmes...



Acabo de receber, por email, a música-tema do filme CINEMA PARADISO, aquela bonita que toca já na primeira cena (,lembrou?), e é uma pena que eu não possa colocá-la neste blog, mas para substituir a falta da música, encontrei uma BOA CRÍTICA (coisa rara, em se tratando de críticas de filmes...)sobre o Nuovo Cinema Paradiso. (Se não dá para começar a semana cantarolando uma música, que se comece pensando em algo sensível.)Aí vai:

If you love movies, it's impossible not to appreciate Cinema Paradiso, Giuseppe Tornatore's heartwarming, nostalgic look at one man's love affair with film, and the story of a very special friendship. Affecting (but not cloying) and sentimental (but not sappy), Cinema Paradiso is the kind of motion picture that can brighten up a gloomy day and bring a smile to the lips of the most taciturn individual. Light and romantic, this fantasy is tinged with just enough realism to make us believe in its magic, even as we are enraptured by its spell.

A continuação da crítica está em: http://movie-reviews.colossus.net/movies/c/cinema.html
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E já que falei em crítica de filme (e pela primeira vez, neste blog, elogiei uma)...
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Este é o autor da crítica que lhes passei:
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"James Berardinelli was among the first and is one of the best known online film critics. He began posting reviews to the Usenet newsgroups in 1993, when only a small percentage of U.S. households possessed an Internet connection. By 1996, when he inaguarated his website, ReelViews.net, he had already penned more than 800 reviews. Berardinelli was formally educated as an electrical engineer, a profession in which he holds an M.S., but his lifelong passion for writing, as well as a love of movies, led him to try his hand at film criticism. (*) His work has appeared in The Chicago Sun-Times, on Playboy.com, in numerous Internet journals, and have been translated into 10 different languages. Film critic Roger Ebert has described Berardinelli as "the best of the Web-based critics" and has called ReelViews.net "one of the best movie review sites on the Web.""
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(*) Interessante, hein?! Mais um engenheiro que se salvou do "exatismo" da área.
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Ah! E mais uma coisa!
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No texto de Berardinelli, encontrei a resposta que há tempos buscava:
"What really happened to Elena? The answer is provided in a 35-minute sequence that never made it into the 1988 American release, but which has now been restored".

sábado, outubro 02, 2004

MISERICÓRDIA
Desde a sua Primeira Comunhão ele não entrava em uma igreja. E como ele foi se lembrar da Primeira Comunhão? E que mistério da memória é esse que ao se lembrar de uma coisa, essa coisa traz milhões de outras lembranças, como se um cavalo puxasse mais de uma carroça ao mesmo tempo? Mas é assim que funciona e a lembrança da Primeira Comunhão trouxe a lembrança da sua mãe, a lembrança dos seus amigos (e como eles brincavam na rua...), a lembrança da sua cidadezinha. E ele não teve, como primeira reação, outra, a não ser a do espasmo de ver tudo aquilo dançando à sua frente, de ter um palco com várias lembranças se exibindo e trazendo mais lembranças. Ele também não se lembrava de quando fora a última vez em que se lembrara de tanta coisa ao mesmo tempo. Aliás, há quanto tempo não tinha tempo para as recordações? No fundo ele sabia...sabia exatamente quando passou a temer as recordações. Foi quando, numa época, fatos tristes se tornaram protagonistas em sua memória e ele pensou ter sido o culpado por isso; achou que, por descuido, apertara algum botão vermelho, provocando uma explosão de erros em sua vida. Toda explosão é lastimável e ele estava no meio da rosa. A fumaça desapareceu com o tempo, mas os destroços permaneceram. O palco, que agora exibia as recordações alegres, naquela época se mantivera intacto, mas ele, tão indignado, apagara as luzes, sem perceber que umas lembrancinhas doces estavam encolhidas atrás das cortinas.
Mas ali estava ele. Entrara naquela igreja por um motivo, o mais banal possível: uma das folhas que ele carregava saiu voando e foi parar no navio. Só isso. Ele jamais pensaria em “coincidência”, “destino”, “sorte”. Ele nem pensou em um motivo para aquilo. Talvez não houvesse mesmo. Mas aconteceu e ele tinha que buscar aquela folha, tamanha a sua importância.
Ele entrou e aqueles santos de cerâmica olharam para ele. Mas ele não reparou nisso. Caminhou em direção à folha, se abaixou para pegá-la e, ao se levantar, viu um garotinho ajoelhado, segurando um terço e recebendo a hóstia. Ao lado, estava a mãe do garoto e chegavam garotos da idade dele para cumprimentá-lo. O homem da nossa história sabia que não podia estar vendo aquilo. Ele sabia, mas então...como? Ele esfregou os olhos várias vezes, limpou os óculos e não viu mais o garoto. Só que a mãe ainda estava lá. Ela se levantou, andou em sua direção e o abraçou. Deu-lhe um abraço como há anos ele não recebia, disso ele se lembrou. E então ele resolveu ceder e a abraçou também e chorou, chorou, copiosamente. A igreja estava vazia; somente os santos testemunhavam aquela cena. O homem encostou a cabeça no ombro da mãe e acabou adormecendo. Um pouco distante dali, ele reapareceu no palco onde estavam as lembrancinhas doces. Foi para os bastidores, abriu as cortinas e acendeu as luzes. As boas recordações surgiam como dançarinas e dançavam harmoniosamente à sua frente. Ele ficou ali, em estado de graça, observando-as, até pegar no sono.
E não mais acordou.

sexta-feira, outubro 01, 2004

COMO UMA SEXTA-FEIRA (APARENTEMENTE) CHOCHA PODE SE TRANSFORMAR NUM POST

Minha sexta-feira foi a mais normal possível, com o cansaço acumulado de uma semana puxada e sem nenhuma novidade ou acontecimento inesperado que pudesse surpreender o marasmo do dia. Às dez horas da noite, estava me preparando para dormir quando ouvi o cão da casa da esquina à frente latir como costuma latir ao suspeitar de um pedestre.
Não sei o que leva a gente a ter curiosidade; deixo isso para a tese de algum universitário (como diria Rubem Braga...), mas o fato é que eu, que prefiro ceder prontamente ao sono em vez de me incomodar com o que ocorre na rua, fui até a janela, vi o cachorro latindo desesperado em direção ao prédio vizinho (o pequeno prédio em frente ao meu) e então enxerguei um pivete parado, entre o prédio e a rua. Como tinha acendido a luz, imediatamente a apaguei para não ser vista. O pivete acabou indo embora, mas então, de um segundo para o outro, minha vida se transformou num filme de Hitchcock. Olhei para aquele prédio e reparei em todas as suas janelas: numa delas estava um senhor de pijamas, sentado, vendo televisão; numa outra, havia uma garota deitada na cama, lendo uma revista; na do primeiro andar, uma mulher, também no escuro, olhava para a rua. Tudo isso não é novidade para quem mora em cidade grande – ou cidade que está crescendo. A ganância imobiliária é tanta que, além de ver o seu vizinho da frente, você pode passar um pedaço de pizza para ele, pela janela! – um amigo me jurou que viu essa cena em São Paulo! Mas ter visto um cachorro latindo para um estranho (e “suspeito”, do ponto de vista do cão e do meu) e reparar que aquela mulher do primeiro andar continuou, ainda no escuro, a olhar pela janela, deixou o cenário um tanto sinistro. Principalmente porque quando o pivete se foi, os olhos dela não o acompanharam, mas se fixaram no cão, que, percebendo isso, ficou quieto e submissamente se escondeu na sua casinha.

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